Michael Löwy
As pesquisas para as próximas eleições presidenciais na França confirmaram uma tendência que, há alguns anos, já estava aparente: o crescimento do apoio à Frente Nacional. Essa situação não é especificamente francesa: por quase todo o continente europeu vemos um significativo fortalecimento da extrema-direita. O fenômeno não encontra precedentes desde os anos 1930. Em muitos países, a direita xenófoba já havia obtido entre 10% e 20% dos votos na última década; em 2014, em três países (Reino Unido, Dinamarca e França) alcançaram de 25% a 30%. Além disso, sua influência é maior do que o seu próprio eleitorado: suas ideias contaminam também a direita “clássica” e até parte da esquerda social neoliberal. Como diz o jornal em linha Mediapart, estamos a “cinco minutos da meia-noite”.
Pode essa situação ser comparada à da Europa dos anos 1930? Sim e não. É a primeira vez, desde os anos 1930, que a extrema-direita alcança tal influência na política europeia. Mas a história nunca se repete. Há muitas diferenças entre as conjunturas do passado e a do presente. A mais óbvia é que, depois de 1933, dois dos mais importantes países da Europa, Itália e Alemanha, tiveram regimes fascistas totalitários. Afortunadamente, nada comparável existe agora! Outra diferença importante é que os interesses da burguesia hoje são esmagadoramente favoráveis à globalização capitalista neoliberal e hostis ao nacionalismo econômico conteúdo básico de qualquer projeto fascista ou semifascista. Por outro lado, a esquerda antifascista, tanto em sua versão mais radical marxistas e anarquistas quanto em sua forma mais moderada, parlamentar, da Frente Popular, era muito mais forte nos anos 1930 do que hoje.
A atual extrema-direita europeia é muito diversa, uma variedade que vai de partidos abertamente neonazistas, como o Aurora Dourada na Grécia, a forças burguesas perfeitamente integradas ao jogo político institucional, como o suíço UDC. O que eles têm em comum é o seu nacionalismo chauvinista e, portanto, oposição à globalização “cosmopolita” e a qualquer forma de unidade europeia, a xenofobia, o racismo, o ódio a imigrantes e ciganos (o povo mais antigo do continente), a islamofobia e o anticomunismo. Além disso, em sua maioria, se não na totalidade, são favoráveis a medidas autoritárias contra a “insegurança” (usualmente associada a imigrantes) por meio do aumento da repressão policial e das penas de prisão e pela reintrodução da pena de morte. A orientação reacionária nacionalista, na maioria das vezes, é “complementada” com uma retórica “social”, em apoio às pessoas simples e à classe trabalhadora (branca) nacional.
Muitos “especialistas” e comentaristas de mídia anunciam que fascismo e antifascismo são fenômenos pertencentes ao passado. Acreditamos que a realidade é um tanto mais complexa. É óbvio que hoje não vemos partidos fascistas de massa comparáveis ao nazismo da Alemanha dos anos 1930, mas já naquele período o fascismo não se limitava apenas a esse modelo: o franquismo espanhol e o salazarismo português eram muito diferentes dos modelos italiano e alemão. Seria, portanto, um erro alegar que não existem partidos fascistas atualmente na Europa, por não termos nada equivalente aos nacional-socialistas dos anos 1930.
Qualquer que seja a sua transformação e “modernização”, a extrema-direita ainda representa uma ameaça real à democracia.
E, como explicar esse sucesso crescente da extrema-direita? O primeiro elemento de explicação é o processo de globalização capitalista neoliberal – também um poderoso processo de homogeneização cultural forçada que produz e reproduz, em escala europeia e planetária, os pânicos de identidade, a obsessiva procura por fontes e raízes que leva a formas chauvinistas de religião, formas religiosas de nacionalismo, além de alimentar conflitos étnicos e confessionais.
Diretamente relacionado a esse processo de hegemonia mundial neoliberal do capital financeiro há outro fator importante: a crise econômica que tem despedaçado a Europa desde 2008. Exceto na Grécia e na Espanha, essa crise tem em quase todos os lugares favorecido muito mais a extrema-direita do que a esquerda radical diferentemente da situação europeia dos anos 1930, quando em muitos países a esquerda antifascista cresceu paralelamente ao fascismo.
A extrema-direita atual tem, sem dúvida, se beneficiado da crise, particularmente na França. Mas isso não explica tudo: na Espanha e em Portugal, dois dos países mais atingidos duramente pela crise, a extrema-direita permanece apenas marginal. E na Grécia, apesar de a Aurora Dourada ter desfrutado de um crescimento exponencial, ela tem muito menos influência do que o Syriza, a coalizão da esquerda radical. Na Suíça e na Áustria, dois países em grande parte poupados pela crise, a extrema-direita racista muitas vezes fica acima de 20% de apoio. Portanto, devemos evitar as explicações exclusivamente economicistas muitas vezes apresentadas pela esquerda.
Fatores históricos têm, sem dúvida, jogado um papel: uma longa tradição antissemita existente em certos países; a persistência daquelas correntes que colaboraram com a direita durante a Segunda Guerra Mundial; e a cultura colonialista que impregna atitudes e comportamentos mesmo muito tempo depois da descolonização não só nos antigos impérios, mas em quase todos os países europeus. Todos esses fatores estão muito presentes na França e contribuem para explicar a força do partido de Le Pen, mas são menos relevantes em países sem um passado colonial ou fascista, como a Suíça.
A análise “clássica” de esquerda sobre o fascismo o explica essencialmente como um instrumento do grande capital para esmagar a revolução e o movimento dos trabalhadores. Com base nessa premissa, algumas pessoas da esquerda argumentam que, como hoje o movimento dos trabalhadores está muito enfraquecido e a ameaça revolucionária não existe, o grande capital não teria interesse em apoiar movimentos da extrema-direita, de modo que o risco de uma ofensiva marrom não existiria. Esta é, uma vez mais, uma leitura economicista que não leva em conta a autonomia de um fenômeno político. Os eleitores podem escolher um partido que não tem o apoio da grande burguesia. Além disso, esse estreito argumento econômico parece ignorar o fato de que o grande capital pode se acomodar em todos os tipos de regimes políticos sem muito exame de consciência.
O conceito de “populismo” empregado por certos cientistas políticos, pela mídia e até mesmo por parte da esquerda é totalmente inadequado para explicar a natureza da Frente Nacional (ou seus equivalentes na Europa), servindo apenas para semear confusão. Na América Latina da década de 1930 até os anos 1960, o termo populismo correspondia a algo bem específico: governos nacionais populares ou movimentos ao redor de figuras carismáticas Vargas, Perón, Cárdenas, com amplo apoio popular e uma retórica anti-imperialista. Entretanto, o seu uso francês (ou europeu) a partir dos anos 1990 é terrivelmente vago e impreciso. Cientistas sociais se referem ao populismo como “uma posição política que toma o lado do povo contra as elites” uma caracterização que serve para quase todo partido político ou movimento! Quando aplicado à Frente Nacional ou a outros partidos europeus da extrema-direita, esse pseudoconceito transforma-se em um eufemismo enganoso que ajuda deliberadamente ou não a legitimá-los, tornando-os mais aceitáveis ou mesmo atraentes quem não é a favor do povo contra as elites? enquanto cuidadosamente se evitam outros termos perturbadores: racismo, xenofobia, fascismo ou extrema-direita. “Populismo” também é usado deliberadamente de uma forma mistificadora por ideologias neoliberais e pela mídia na França (assim como na Europa), a fim de fazer um amálgama entre a extrema-direita e a esquerda radical, caracterizadas como “populismo de direita” e “populismo de esquerda”, já que ambas se opõem a políticas neoliberais, “Europa” etc.
Não há uma receita mágica para combater a extrema-direita. Devemos nos inspirar com uma distância crítica apropriada nas tradições antifascistas do passado, mas também saber como inovar, a fim de responder às novas formas desse fenômeno. Qualquer movimento antifascista só será eficaz e crível se for motivado por forças situadas fora do consenso neoliberal dominante. A luta contra o racismo, bem como a solidariedade com as suas vítimas, é um dos componentes essenciais dessa resistência. Ainda não é tarde demais para impedir “a resistível ascensão de Arturo Ui” (para citar a conhecida peça de teatro antifascista por Bertolt Brecht).