Erika Hilton
Deputada federal pelo PSOL São Paulo, eleita a melhor deputada do Brasil pelo prêmio Congresso em Foco 2024.
Nos últimos anos, assistimos a uma escalada alarmante da extrema direita no Brasil e no mundo. O bolsonarismo, que muitos acreditaram ser um fenômeno passageiro, segue se reorganizando e testando os limites da democracia. Essa ascensão não é um caso isolado, mas parte de um movimento global que tem Donald Trump nos Estados Unidos, Marine Le Pen na França, Javier Milei na Argentina e Viktor Orbán na Hungria como referências.
O avanço dessas forças não se dá apenas no campo eleitoral. Ele ocorre na cultura, nas redes sociais, na disputa pelo imaginário popular e na captura de instituições estratégicas. Enquanto a extrema direita avança com organização e coesão, a esquerda muitas vezes se perde em palavras de ordem que, embora fundamentais para a mobilização, não são suficientes para mudar a correlação de forças.
Se queremos barrar essa ameaça, não basta resistir: precisamos sair da defensiva e assumir uma postura ofensiva, disputando o futuro do Brasil com um programa transformador. A criação de um cordão sanitário democrático contra a extrema direita não pode ser um pacto frouxo, mas sim um movimento político estruturado, capaz de isolar o autoritarismo e apontar soluções concretas para os problemas do país. Isso passa, necessariamente, por reconhecer a importância da defesa do governo Lula nesse processo, sem deixar de cobrar avanços nas pautas populares.
A esquerda precisa sair da defensiva
Desde o golpe de 2016, a esquerda tem sido forçada a atuar na defensiva, tentando impedir retrocessos. A eleição de Lula representou uma vitória fundamental, mas não definitiva. O bolsonarismo segue vivo, entrincheirado em setores estratégicos, das Forças Armadas ao Judiciário, passando pelas redes sociais e pelos templos neopentecostais.
A defesa do governo Lula deve ser compreendida como parte essencial da estratégia para barrar a extrema direita. Não significa abrir mão das críticas e da pressão por avanços, mas reconhecer que, neste momento, Lula representa o principal escudo institucional e “cordão sanitário” contra o retorno do autoritarismo. A extrema direita quer desgastar seu governo para abrir caminho a um novo projeto neofascista. Nossa tarefa é impedir que isso aconteça, ao mesmo tempo que empurramos o governo para posições mais ousadas em temas centrais.
Mas para além da defesa institucional, precisamos recuperar a capacidade de pautar o debate público. Se a extrema direita cresce explorando o medo e a frustração popular, nossa resposta precisa ser um projeto político que toque diretamente na vida das pessoas. Isso passa por um conjunto de propostas que reorganizem a economia, o trabalho, os direitos sociais e o papel do Estado.
Uma agenda transformadora para virar o jogo
O combate à extrema direita exige ações concretas que alterem a correlação de forças. O PSOL e os setores progressistas devem pautar medidas que enfrentem as raízes da crise social, econômica e ambiental que vivemos. Entre essas medidas, destacamos:
Barrar a anistia aos crimes contra a democracia
O Brasil já errou no passado ao permitir que os crimes da ditadura militar ficassem impunes. Isso alimentou uma cultura de golpismo que desembocou nos ataques de 8 de janeiro. Garantir que todos os responsáveis sejam punidos, sem acordos espúrios, é essencial para consolidar nossa democracia. A impunidade fortalece a extrema direita, que segue ameaçando o país com novas investidas autoritárias.
Redução da jornada de trabalho e fim da escala 6×1
Enquanto banqueiros e empresários concentram fortunas, trabalhadores são submetidos a jornadas exaustivas e precarização. Reduzir a jornada de trabalho sem redução salarial é uma medida essencial para distribuir empregos, melhorar a qualidade de vida e fortalecer a economia. Em países como França e Alemanha, já se discute jornadas de 32 horas semanais. No Brasil, ainda estamos presos a um modelo que explora ao limite a força de trabalho.
Comida saudável e barata: reforma agrária e combate à especulação alimentar
O preço dos alimentos disparou enquanto o agronegócio segue lucrando como nunca. Precisamos fortalecer a agricultura familiar, que é responsável por 70% dos alimentos que chegam à mesa dos brasileiros, mas recebe apenas 15% do crédito rural. Além disso, combater os monopólios do setor e regular estoques de alimentos são medidas fundamentais para garantir que o povo tenha comida no prato.
Justiça econômica: taxação das grandes fortunas e isenção para quem ganha até R$ 5 mil
O Brasil tem um sistema tributário que penaliza os mais pobres e favorece os milionários. Taxar grandes fortunas, dividendos e heranças é uma questão de justiça social. Além disso, a isenção do imposto de renda para quem ganha até 5 mil reais aliviaria milhões de brasileiros e impulsionaria o consumo.
Combate aos privilégios e super salários dos militares
Os militares se tornaram um dos principais pilares da extrema direita. Desde 2016, ampliaram seu poder político e seus privilégios salariais, enquanto servidores civis enfrentam arrocho. Reduzir esses privilégios e submeter as Forças Armadas ao controle democrático são medidas fundamentais para desmilitarizar a política brasileira.
Defesa dos direitos humanos e enfrentamento à violência
A extrema direita cresce explorando preconceitos e alimentando o ódio contra mulheres, negros, LGBTQIA+ e a juventude periférica. Precisamos ampliar políticas de proteção, fortalecer a educação antirracista e feminista e garantir que nenhum direito seja retirado. O bolsonarismo aposta na violência para mobilizar sua base, e devemos combatê-lo com organização e resistência popular.
Transição ecológica e enfrentamento à crise climática
O negacionismo climático é uma das marcas da extrema direita. Precisamos de investimentos massivos em infraestrutura verde, novas matrizes energéticas e cidades resilientes. O Brasil tem potencial para liderar a transição energética global, mas para isso precisamos enfrentar o lobby dos combustíveis fósseis e das mineradoras predatórias.
Regulamentação das redes sociais para combater a desinformação
As redes sociais se tornaram um território livre para o crime, impulsionado pelos bilionários das Big Techs e pela extrema direita. A regulamentação dessas plataformas é urgente, garantindo transparência algorítmica, responsabilização por fake news e proteção contra discursos de ódio.
Um novo horizonte político
O enfrentamento à extrema direita exige mais do que indignação. Precisamos de estratégia, unidade e um programa concreto que dialogue com o povo. O cordão sanitário contra o bolsonarismo não pode ser apenas um pacto institucional, mas sim uma aliança entre forças progressistas e movimentos sociais em torno de uma agenda de transformação.
O PSOL tem um papel fundamental nesse processo. Devemos fortalecer nossa presença nas ruas, disputar o governo Lula pelo avanço das pautas populares e impedir que a extrema direita retome o controle do país. A história nos ensina que o fascismo não se combate apenas com discursos: ele se derrota com mobilização, organização e luta.
Estamos diante de um dos maiores desafios políticos do nosso tempo. Se a extrema direita quer nos empurrar para a defensiva, nossa resposta deve ser clara: vamos avançar, sem medo, sem concessões e com um projeto capaz de devolver a esperança ao povo brasileiro.