Por Jenny Brown*
Trabalhadores portuários entraram em greve à meia-noite nos portos do Atlântico e do Golfo, de Boston a Houston. Esta é a primeira greve em toda a costa desde 1977 para a International Longshoremen’s Association (ILA), e pegou muitos de surpresa. A força de trabalho carrega, descarrega e monitora a carga dos navios, além de manter a maquinaria dos portos.
A paralisação de 19 mil trabalhadores fechou 14 complexos portuários, já que os membros da ILA se posicionaram contra a automação que ameaça seus empregos. Os salários também são uma questão; o último contrato foi negociado em 2018, antes dos impactos da pandemia e da inflação.
“Os empregadores promovem a automação sob o pretexto de segurança, mas na verdade é para reduzir os custos trabalhistas”, disse Daniel Amaly, um trabalhador do Porto Elizabeth, em Nova Jersey, à imprensa no piquete à meia-noite.
Após o amanhecer, centenas de trabalhadores portuários fizeram piquetes e acenaram com cartazes para os carros que passavam buzinando. Eles comemoraram quando alguém disse, através de um megafone, que 35 navios estavam no porto sem poder descarregar a carga. Alto-falantes tocavam rock clássico, reggaeton e merengue.
Em outro terminal em Newark, os piqueteiros foram acompanhados por dois vice-presidentes da Longshore and Warehouse Union (ILWU), que representa os trabalhadores da Costa Oeste.
As negociações com a USMX (United States Maritime Alliance, Ltd., associação patronal), que representa operadoras de terminais e transportadoras, foram interrompidas em junho, quando o sindicato acusou as operadoras de terminais de introduzirem sistemas automatizados de forma sorrateira, tirando o trabalho dos membros da ILA. Reuniões de última hora tiveram pouco progresso.
“Estamos lutando para que haja uma futura geração de trabalhadores portuários”, disse um trabalhador do porto de Newark no piquete esta manhã, apontando para outros empregos manuais que estão sendo perdidos para a automação.
Um trabalhador portuário com 10 anos de experiência em Bayonne, Nova Jersey, disse que a automação era sua principal preocupação. “É como os caixas e o autoatendimento. Você não quer que o autoatendimento tire o emprego de todo mundo” (alguns trabalhadores pediram para não ser identificados, pois não estavam autorizados a falar com a imprensa).
Grande impacto
A J.P. Morgan estimou perdas corporativas entre US$ 3,8 bilhões e US$ 4,5 bilhões por dia de greve. Cerca de metade dos produtos importados pelos EUA passam pelos portos da Costa Leste e do Golfo. Uma greve de uma semana poderia criar acúmulos que levariam um mês para serem resolvidos, disseram analistas de negócios.
Os trabalhadores não recebem pagamento durante a greve, embora, após duas semanas, os trabalhadores de Nova York e Nova Jersey possam receber seguro desemprego do estado.
A Câmara de Comércio dos EUA e a National Association of Manufacturers (NAM) estão pedindo à Casa Branca que obrigue os trabalhadores portuários a voltarem ao trabalho utilizando os poderes emergenciais da Lei Taft-Hartley. “O presidente pode proteger os fabricantes e os consumidores exercendo sua autoridade, e esperamos que ele aja rapidamente”, disse Jay Timmons, presidente da NAM, em uma declaração na segunda-feira.
Mas quando um repórter perguntou a Joe Biden no domingo se ele interviria, o presidente disse que não. Quando perguntado por que, ele respondeu: “Eu não acredito na Taft-Hartley”. Isso pode dar ao sindicato uma vantagem considerável.
O sindicato não está em greve contra navios de cruzeiro. “Entendemos que muitas famílias planejam e pagam por férias em cruzeiros com mais de um ano de antecedência, e não queremos que fiquem decepcionadas ou prejudicadas de forma alguma”, disse Harold Daggett, presidente da ILA. Os membros do sindicato também continuarão a lidar com embarques para o exército, o que o sindicato chama de “compromisso de não-greve” para cargas militares.
Lucros em alta, salários estagnados
Os salários têm permanecido estagnados nos últimos dois contratos, enquanto os empregadores tiveram alguns dos anos mais lucrativos já registrados. Trabalhadores da Costa Leste começam ganhando US$ 20 por hora, com um teto de US$ 39. As regras de trabalho e horas extras podem aumentar significativamente o salário para os trabalhadores com mais tempo de serviço.
Mas as transportadoras viram seus lucros dispararem e podem pagar muito mais. Os trabalhadores da Costa Oeste, representados pela ILWU, passaram de US$ 26 para US$ 40 de salário inicial no mesmo período de 12 anos. Agora, o salário inicial deles é maior que o teto dos trabalhadores da Costa Leste. Além disso, os membros da ILWU têm um plano de aposentadoria uniforme entre os portos, enquanto na ILA as aposentadorias são muito mais baixas, quando existem. Trabalhadores em alguns portos, como Houston e Filadélfia, não têm nenhum plano de aposentadoria.
As negociações foram privadas, e não está claro exatamente qual era a posição das partes na segunda-feira. A USMX afirmou que o sindicato queria um aumento salarial de 77% ao longo do contrato de seis anos. Entrevistado na segunda-feira no piquete, o presidente da ILA, Daggett, disse que o sindicato queria um aumento de US$ 5 para cada ano de contrato.
Em contraste, algumas transportadoras quadruplicaram seus lucros de 2019 a 2022, e eles continuam elevados. A Maersk, a maior empresa de transporte marítimo do mundo em receita, registrou US$ 9,8 bilhões em lucros em 2023. Um relatório da ILA mostra que muitas empresas membros da USMX tiveram receitas significativamente maiores em 2022 do que em 2021, e 2020-2021 já haviam sido anos de grande prosperidade para o transporte marítimo global.
Marcha da automação
O sindicato quer fortalecer as cláusulas sobre automação que as empresas aparentemente estão tentando enfraquecer.
Operadoras de terminais e transportadoras reclamam que terminais mais novos em outros países são menos caros de operar devido aos seus sistemas automatizados. Nos EUA, apenas dois terminais são amplamente automatizados, localizados no complexo de Long Beach, perto de Los Angeles.
“Os trabalhadores portuários da Califórnia já perderam empregos por causa da automação”, disse um mecânico da ILA Local 1804 no piquete em Elizabeth, Nova Jersey. “Estamos tentando evitar que isso aconteça conosco”.
Nos últimos 60 anos, grandes mudanças tecnológicas reduziram a força de trabalho portuária em ambas as costas, mesmo com o aumento constante do valor do transporte marítimo. Quando a revolução dos contêineres nas décadas de 1950 e 1960 prejudicou os empregos portuários, a ILA negociou uma taxa de royalties sobre cada tonelada de carga movimentada, paga anualmente aos trabalhadores para compensar as perdas de emprego. Isso ainda está em vigor, embora a ILA afirme que o sistema foi prejudicado e esteja negociando a restauração das taxas.
Mais recentemente, portos da Costa Leste introduziram sistemas automatizados sem consultar o comitê da ILA responsável por avaliar as mudanças. Em vários portos, incluindo Mobile, Alabama, e Bayonne, Nova Jersey, o sindicato acusa as operadoras de terminais de instituírem sistemas de identificação por radiofrequência para rastrear e registrar caminhões que entram, reduzindo o trabalho para os membros da ILA sem qualquer negociação sobre as mudanças.
“Acabamos de pegá-los em Mobile, Alabama”, disse Daggett, entrevistado pela Fox News num piquete. “Eles estão contornando o contrato… Se não tomarmos uma posição agora, eles vão passar por cima de nós.”
Trabalhadores disseram que mudanças de software que afetam empregos frequentemente são implementadas sem negociação.
Mas, mesmo quando as operadoras de terminais anunciam mudanças, o sindicato tem pouco poder para aplicar as garantias contra automação no contrato — porque, mesmo que você reclame dessas mudanças, elas acabam em arbitragem com resultados insatisfatórios, disseram os trabalhadores.
Uma mudança no contrato que seria útil seria a eliminação da cláusula de proibição de greve. Dessa forma, se os portos implementarem automação, os trabalhadores poderiam parar de trabalhar e não retornar até que a questão fosse resolvida.
*Jenny Brown é editora assistente do Labor Notes, maior movimento sindical dos Estados Unidos.