Na muralha do Kremlin, perto do jazigo do astronauta Yuri Gagarin, está sepultado o jornalista norte-americano John Reed, autor do clássico Os Dez Dias que abalaram o Mundo. Por uma espécie de coincidência ao lado do primeiro homem a ver a Terra desde o espaço, repousa o escritor que certa vez afirmou: “Eu vi um novo mundo nascer”.
Maior cronista da Revolução de Outubro de 1917, John Reed repousa com razão dentro do muro onde estão enterrados os heróis da antiga União Soviética. Seu livro é até hoje o principal relato dos dias febris que culminaram com a instauração da primeira república socialista da Humanidade. Considerado pela Universidade de Nova York um dos dez melhores trabalhos jornalísticos do século XX, teve a sua primeira edição prefaciada pelo próprio Lenin que afirmou: “Com imenso interesse e igual atenção li até o fim o livro Os dez dias que abalaram o mundo, de John Reed. Recomendo-o sem reservas aos trabalhadores de todos os países. É uma obra que eu gostaria de ver publicada aos milhões de exemplares e traduzidas para todas as línguas”.
Em busca do Mundo Novo
Nascido em 1887, no meio de uma família abastada de Portland e freqüentador dos círculos radicais de Nova Iorque, John Reed viveu numa época em que as crises do capitalismo se precipitavam em guerras e revoluções. Dotado de um faro jornalístico excepcional e uma consciência política aguçada escolheu seguir a trilha que anunciava o nascer de novos mundos. Começou em casa, cobrindo as greves operárias, que geralmente enfrentavam uma dura repressão policial. No seu texto A guerra do Colorado, que obteve grande repercussão, denunciou o massacre de Ludlow, no qual mineiros grevistas foram abatidos a tiros pela Guarda Nacional, a mando da família Rockfeller. A partir daí começou a ser considerado um dos mais importantes jornalistas da América do Norte.
No começo de 1914 atravessou a fronteira e no México acompanhou o líder revolucionário Pancho Villa, durante a guerra civil movida pelos pobres contra o despótico regime de latifundiários e banqueiros. Sua experiência de quatro meses rendeu mais tarde o livro México insurgente, que impressionou por revelar o caráter de classe do conflito e as nobres intenções de Villa, até então visto apenas como um sanguinário bandoleiro.
Mal regressara aos Estados Unidos, Reed embarca para a Europa para cobrir como correspondente a guerra mundial que recém começara. Nesta primeira viagem andou pelos fronts de França, Bélgica e Holanda. No ano seguinte acompanhou a carnificina nos Bálcãs e escreveu: “Aqui estão as nações a se lançar aos pescoços uma das outras, como cães, e a arte, a indústria, o comércio, a liberdade individual, a própria vida são taxadas para sustentar a monstruosa máquina da morte.”
De volta aos Estados Unidos se engaja na campanha contra a entrada do seu país na guerra capitalista. Foi testemunha de defesa dos intelectuais anarquistas Emma Goldman e Alexander Berkman, processados e condenados por se oporem à guerra e numa audiência no Congresso Nacional, declarou solenemente: “Eu não acredito nessa guerra. Eu não serviria nela.” Por isto, em fevereiro de 1917, saudou efusivamente a notícia de que, na longínqua Rússia, os trabalhadores contra a guerra tinham derrubado o czar. E escreveu: “Finalmente toda uma população se nega a continuar a carnificina e se voltou contra a classe dominante.
Dias de Revolução
Acompanhado de Louisie Bryant, escritora e sua companheira, Reed desembarca em Petrogrado em setembro de 1917. A partir daí, acompanha passo a passo a marcha da Revolução. Da sua experiência concreta e da convivência com todos os atores do drama tanto famosos, como desconhecidos extrai os elementos para escrever a obra que lhe granjeou reconhecimento mundial: Os dez dias que abalaram o mundo.
No livro, Reed arrasta os leitores por assembleias e comícios em que os bolcheviques, em defesa das consignas de Paz, Pão, Terra, se opõem ao Governo Provisório de Kerensky, e combatem as correntes colaboracionistas, conquistando os corações dos trabalhadores. De forma vibrante, narra discursos, entrevista dirigentes, ouve comentários de operários e soldados, revela as opiniões dos inimigos da Revolução e retrata o ambiente das ruas num relato apaixonado e esclarecedor. Sua narrativa não esconde a cumplicidade ativa com os partidários de Lenin, porém em nenhum momento seu texto resvala para a adulação. Para ele, o grande protagonista é o povo russo e o grande mérito dos bolcheviques foi exatamente “compreender as aspirações elementares e rudes dos soldados e operários e, levando-as em conta, elaborar o seu programa”.
Não por acaso o último capítulo do livro é exatamente sobre o II Congresso Pan-Russo dos Sovietes Camponeses, no qual os trabalhadores do campo e da cidade selam a aliança que garante a revolução.
Os Dez dias que abalaram o mundo é uma obra comovente e inspiradora. No prefácio da primeira edição russa, Nadezhda Krupskaya, dirigente do Comitê Central e esposa de Lenin escreveu: “Não se trata de uma simples enunciação de fatos, de uma coleção de documentos, mas de cenas vivas, tão típicas que não podem deixar de evocar no espírito de todas as testemunhas da Revolução aquelas cenas idênticas a que todos assistiram. Todos estes quadros tomados ao vivo traduzem, da melhor forma possível, o modo de sentir das massas e permitem apanhar o verdadeiro sentido dos diferentes atos da grande revolução”.
Em 1920, pouco depois da publicação do livro, John Reed morreu de tifo, em Moscou, onde se encontrava, como delegado do Partido Comunista Operário dos Estados Unidos ao I Congresso da Internacional Comunista. Seu livro inspirou o cineasta S. M. Eisenstein a realizar o filme Outubro, considerado um clássico da cinematografia mundial. Sua vida e a de Louisie Bryant foram levadas às telas por Warren Beaty, em Reds, que conquistou três Oscars de Hollywood. Mas a melhor definição deste bravo jornalista continua sendo a de Krupskaya: “John Reed não foi um observador indiferente. Revolucionário na alma, comunista, ele compreendeu o sentido da grande luta. Daí sua aguda visão, sem a qual lhe teria sido impossível escrever um livro como este. “(L.A.D.C.)