Gilberto Maringoni
Aos 36 anos, Talíria Petrone se tornou um dos principais símbolos da luta antirracista, feminista e da resistência ao conservadorismo no Brasil. Ex-atleta, historiadora, mestra em Serviço Social, negra e mãe, ela foi a vereadora mais votada em Niterói, em 2016. Filha de um músico e de uma professora, Talíria já trabalhou em telemarketing e se apaixonou pela sala de aula. Em 2018, passou a integrar a bancada do PSOL, na Câmara dos Deputados.
Há pouco tempo, Talíria recuperou a história familiar: o avô foi perseguido pela ditadura civil militar (1964-1988) e a casa do pai chegou a ser metralhada pela repressão. Ela conta que ainda hoje investiga a história da própria família, para que esse passado sombrio não se repita.
Na entrevista, a seguir, a parlamentar revela como é viver escoltada ela já sofreu sete ameaças, investigadas pela polícia. Fala também da relação com Marielle Franco, dos desafios de defender a luta antirracista, de gênero e de classe no Brasil e das tarefas que a esquerda tem adiante, enquanto cuida da filha pequena. “O desafio é estar cada vez mais no território, nunca sair dele, nunca se afastar do concreto como marxistas que somos”.
Entrevista: Talíria Petrone Entrevista Deputada Federal, PSOL/RJ
Talíria, como a política entrou em sua vida? Venho de uma família de classe média baixa, de um bairro da periferia de Niterói, o Fonseca. Quando falo da decisão de ocupar um espaço da política institucional, eu remeto a uma memória de minha mãe subindo a ladeira da Riodades com um filho no braço, outro na barriga, minha irmã mais nova, e mais um no outro braço. Trabalhei alguns anos em telemarketing, uma máquina de moer gente. E estudei na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), em São Gonçalo, uma das maiores cidades do estado do Rio de Janeiro, mas muito pobre e muito precarizada. A maior parte dos estudantes é trabalhador. Eu ia trabalhar no telemarketing e depois ia para a faculdade. Pude fazer uma escolha, política a meu entender, que foi ser professora de História. A sala de aula foi, num primeiro momento, a forma que eu escolhi de fazer a luta. A escola é um espaço de resistência.
E você foi professora onde? Eu comecei a dar aula em São Gonçalo mesmo, em uma escola particular e em um cursinho pré-vestibular na Engenhoca, uma região pobre. Meus alunos eram filhos de trabalhadores do comércio e de camelôs. Comecei a vivenciar de forma muito explícita as contradições sociais dentro da própria sala de aula. Quando trabalhei na Maré, havia dias sem aulas porque o irmão de um aluno tinha sido assassinado por uma operação policial, tinha aluno chegando com fome. Aquilo me trouxe a certeza de que a sala de aula era insuficiente como instrumento de transformação da sociedade. E, então, eu me filiei ao PSOL. Entendi que o instrumento partido era fundamental para aglutinar as lutas explicitadas dentro da escola.
Você também é atleta e jogou vôlei até em Portugal. De que modo o esporte dialoga com sua experiência na universidade, na sala de aula e na militância? O esporte, como o vôlei, não funciona se não tiver uma coletividade muito amarrada à sua prática. Comecei a jogar aos 12 anos, na escola. Meu irmão jogava vôlei, e a técnica queria muito que uma amiga, que é muito alta, jogasse. E falou que só jogaria se eu jogasse com ela. Eu fui, mas ela parou e eu continuei. Cheguei à seleção do Rio de Janeiro e, já na Universidade, surgiu a possibilidade de eu ir para Portugal, nos Açores. Morei por quase dois anos na Ilha do Pico, com 18 anos. Era um time de segunda divisão. A gente se dividia entre treinar e ajudar na manutenção do clube. Tínhamos de limpar, lavar os pratos. Havia uma lógica colonial entre os dirigentes portugueses. A virada aconteceu quando o time foi para a primeira divisão. Fiquei por duas temporadas e decidi voltar. O vôlei não tem investimento público, como o futebol masculino. Muitas das minhas colegas de esporte estão mundo afora, até hoje. Eu voltei e desanimei um pouco, retomei a Universidade, tive minha primeira experiência na sala de aula, apaixonei-me e nunca mais retomei o esporte.
Como você se sensibilizou para entrar no PSOL? Eu cheguei ao núcleo do PSOL em Niterói, levado por uma amiga. Era um núcleo sindical popular. Ela me convidou para fazer uma campanha, em 2010, e eu comecei a participar da campanha do Marcelo Freixo e do Flávio Serafini, em Niterói. Conheci também o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e decidi entrar para o PSOL.
Tem alguém na sua família ligado à política? Meu pai é filho de um perseguido da ditadura civil-empresarial-militar. Meu avô, ex-militante do partidão. Foi torturado e perseguido. Ele era de Volta Redonda (RJ), e participou da primeira grande greve no período da ditadura (1978). Meu pai se considerava de centro-esquerda e falava pouco da ditadura. Ele foi, inclusive, internado em hospital psiquiátrico e teve a casa metralhada. Quando eu me candidatei a vereadora, essa história de meu avô, que eu pouco conhecia, chegou com muita força a mim. Ele era advogado, um quadro do direito e professor da UFF. Preciso ter um tempo para puxar esse fio e recuperar a história. É um reencontro bonito.
Por que você se candidatou a vereadora? Quando entrei no PSOL, concentrei a militância na questão dos direitos humanos e no movimento da educação. Filiei-me ao Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação do Rio de Janeiro (SEPE). Aí assumi a direção do PSOL em Niterói, mas não tinha nenhuma pretensão de ser candidata. Eu tinha pouca proximidade no início da vida política com o feminismo, com o movimento negro. Com minha condição de trabalhadora, entendi as intersecções entre raça e gênero, mas foi a minha condição de trabalhadora que me aproximou primeiramente do partido. Em algum momento um conjunto de mulheres do PSOL de Niterói decidiu que a gente precisava ter uma candidatura de mulheres na cidade. Fui convencida a tocar a tarefa, em 2016, mas eu não tinha expectativa de ser eleita. Levamos o debate feminista e antirracista numa perspectiva classista. Ouvimos muito a avaliação de que isso seria muito radical e não daria voto. Mesmo sem dinheiro e com um trabalho coletivo nas ruas e praças, fui a vereadora mais votada da cidade.
As candidaturas femininas passaram a ter um peso social muito forte, pelo menos nas capitais e grandes cidades. O assassinato de Marielle, em vez de abafar essa tendência, a fez crescer muito. Muita gente comentava sua proximidade política com Marielle. Existiu uma interação de fato entre os mandatos, apesar de serem exercidos em cidades distintas? Total interação. Penso que foram campanhas e mandatos muito integrados. Eu conheci a Marielle quando fui professora da rede pública na Maré. Mais tarde, ela me procurou. Tomamos um café e decidimos tocar juntas a campanha. A gente fazia muitas atividades ali na barca, que pega muita gente do Rio e de Niterói, e o mandato dela foi muito parceiro. As eleições de 2016 revelaram um fenômeno que estava se abrindo. A Áurea Carolina foi a vereadora mais bem votada de Belo Horizonte; a Marielle foi a quinta mais votada no Rio; e eu, a mais votada de Niterói. Havia ali uma indicação para a gente formular mais contundentemente a ideia do feminismo que queremos e sobre que luta antirracista queremos. Eu acho que a execução da Marielle revela uma urgência, o fim de uma paciência para que esses corpos ocupassem os espaços de poder. É um boom do movimento feminista, do movimento negro e do movimento negro feminista, em especial. Isso é o que muda com a Marielle. Era uma mulher negra, com uma trajetória popular, socialista, lésbica, da favela. Isso, de certa maneira, deu um tom de que feminismo precisávamos construir.
Analisando os mapas de votação da Marielle, é possível perceber que nas áreas de comunidades e na zona oeste, quem tem presença é a milícia. Isso também aconteceu nas campanhas majoritárias do Marcelo Freixo, a dificuldade que a esquerda tem para entrar em áreas populares no Rio. A Marielle tinha muito voto na Maré e nas áreas do centro e da zona sul, regiões que se sensibilizam com a questão feminista, com a questão negra e com a questão lésbica. Enfim, são as questões de direitos sociais, que não são identitárias, como alguns tentam classificar. Como você vê essas dificuldades da esquerda entrar em bairros pobres, em um momento de profundo conservadorismo? É um desafio para o conjunto da esquerda. Fazer política sem base assistencialista, sem a lógica do curral eleitoral, nem pelo domínio da força, como é o caso das milícias, nem pelo domínio da fé, no caso religioso, é um grande desafio. É difícil popularizar questões que, às vezes, parecem pouco populares. Eu costumo contar uma história que eu vivenciei. Uma vez eu estava em um debate sobre legalização do aborto, em uma praça, quando pede a palavra uma senhora favelada, evangélica, negra e que cresceu na igreja. Ela criticava, dizia que era um absurdo, que era o direito à vida, e começou a dialogar. E eu disse: a senhora é a favor da legalização do aborto? Ela respondeu “minha filha, não faça isso”. Perguntei se ela conhecia alguém que tinha feito aborto e ela respondeu que sim e contou a história de uma vizinha.
– A senhora gostaria que ela fosse presa?
– Não! Gostaria que Deus a perdoasse.
– A senhora queria que ela morresse?
– Não! Eu quero que Deus a perdoe.
– Se ela estivesse sangrando, a senhora acha que o hospital deveria atendê-la?
– Claro, minha filha.
Então, essa senhora é a favor da legalização e da regulamentação do aborto. Ali se abriu uma discussão sobre esse tabu. A gente precisa se abrir para escutar as classes populares. Se a gente não é mais povo, não está mais no território, a gente vai pegar uma bandeira e falar “meu corpo, minhas regras” e não vai dialogar com quase ninguém. Vai ser um feminismo que não vai dar conta das trabalhadoras domésticas, no Brasil, onde ainda tem quartinho de empregada. Como a gente vai falar de racismo sem compreender a maior parte das mulheres negras, trabalhadoras do telemarketing, caixas de supermercado, como eu era? O problema é que às vezes somos muito arrogantes. Eu costumo falar que a gente é pouco igreja a igreja cuida, a igreja escuta, alimenta, a igreja devolve esperança. A gente faz reunião em que saímos na porrada. Marca reunião às 6h e começa às 8h. Como a mulher que saiu para trabalhar às 4h da manhã, pegou ônibus lotado, se esforçou para estar ali, vai esperar para ver com quem ela vai deixar o filho? A gente precisa ser mais povo, estar mais conectado com os territórios. O desafio é estar cada vez mais no território, nunca sair dele, nunca se afastar do concreto, como marxistas que somos. O materialismo e a práxis também precisam estar permeados por isso. É preciso escutar e entender que aquela mulher é trabalhadora, oprimida, violentada, explorada. Para mim, essa é a expressão da intersecção entre raça, gênero e classe. Quando a gente fala em legalização do aborto não se trata de uma pauta identitária e liberal, mas, se a gente fala dessa pauta parando no discurso do “meu corpo, minhas regras”, fica difícil dialogar com a evangélica negra que viu a filha sangrar pelo aborto ilegal. E é com essa mulher que a gente tem que conversar. Esse é o desafio da esquerda brasileira, e não se faz isso, nem por um lado abandonando as pautas estruturantes, como a pauta racial, nem se entregando à abordagem identitária dessa agenda.
Na sua opinião, temos um aumento das agressões racistas e misóginas, ou as denúncias se avolumaram, até porque todos podem filmar e passaram a ter coragem de denunciar abusos? Acho que são as duas coisas. O Brasil é um país que teve mais de três séculos de escravidão, com uma abolição inconclusa. O racismo é um instrumento muito importante para o capitalismo brasileiro. A nossa democracia nunca se consolidou plenamente. O Brasil é um país ainda marcado pela lógica colonial, escravocrata, patriarcal, da grande propriedade, do latifúndio. A gente tem uma democracia frágil e incompleta, que nunca chegou às favelas e às periferias, plenamente. Isso tudo é permeado pelo racismo. A gente teve o golpe contra a presidenta Dilma, a prisão ilegal do Lula, a execução política da Marielle, a saída de Jean Wyllys do país, entre outras coisas. Na nossa oposição ao PT, queríamos lutar por mudanças estruturais, pela reforma agrária, urbana, mudar o modelo de desenvolvimento em curso, reforma tributária etc., mas hoje há um retrocesso maior. A crise econômica produziu o que é o Bolsonaro e o bolsonarismo. Acho que as alianças feitas com setores da direita liberal abriram espaço neste caminho para a gente chegar até o bolsonarismo. Nunca rompemos com o passado escravocrata e conservador. Os governos progressistas também não enfrentaram de forma contundente esse passado, e agora houve uma abertura de porta com um fascista no poder que tirou do porão esses resquícios. O avanço do conservadorismo gerou uma legitimação para bater, para amarrar, para agredir e para ser racista. E temos também mais coragem de denunciar esses casos. Então acredito que sejam as duas coisas.
Por que o assassinato do George Floyd tem mais repercussão no Brasil do que o assassinato de João Alberto, trabalhador no Carrefour de Porto Alegre, ou a morte de Miguel Otávio, menino pobre que caiu do 9º andar de um edifício no Recife? Infelizmente, a gente convive no Brasil com o mito da democracia racial. Esse mito é perigosíssimo porque o Brasil é um país miscigenado. Mas isso não minimiza o racismo que impera aqui, talvez da maneira mais violenta em toda a América. Acho que até nós da esquerda, por muito tempo, entendemos a questão de raça como algo identitário, então as resistências muitas vezes não trataram de uma classe concreta, e se naturalizou a barbárie, a desumanização do povo negro. Se fosse um menino branco caindo, e se fosse o filho da mulher do prefeito? O feminicídio é negro, a mortalidade materna é negra, a pobreza é negra, o desemprego é negro. Se pegar o que é o défict habitacional no Brasil, a gente vai ver onde moram negros e onde moram brancos. Como existe ainda o mito da democracia racial? Essa é a pergunta a ser feita.
Negros e negras são minoria na Câmara e no Senado no Brasil, enquanto que no Chile há uma assembleia constituinte com maioria feminina. Como você sente essa disparidade aqui? O Congresso brasileiro é um não lugar para pessoas como eu. Se contar quantas vezes eu fui interrompida, quantas vezes eu fui chamada de louca, de burra, de que eu não sei nada, de favelada e de histérica. Existe um não lugar. Quantas mulheres deputadas negras existem? Pouquíssimas. É estranho para as pessoas que a gente fale toda hora da questão negra. Quando eu vou discutir presidência, é preciso falar do racismo que estrutura o Brasil. Quando eu falar de Reforma Tributária e da PEC 186, a gente precisa falar disso. Quem é a enfermeira, a técnica de enfermagem? Quando a gente fala do desmonte da assistência social, do teto de gastos, o debate econômico, que diz muito para o povo, geração de emprego e renda, os investimentos públicos em serviços públicos, temos de falar qual é a parcela mais afetada da população. Eu só parei de ser barrada na Câmara Federal quando eu comecei a ter escolta. Já fui barrada quatro vezes no mesmo dia na Câmara.
Você foi barrada? Eu ouvia: “Aqui é só deputado, este elevador é só de deputado”. E eu com meu broche, brilhoso dizia “Eu sou deputada!” Na minha posse, para eu conseguir entrar, tinha uma funcionária que falava: você vai para a posse de quem? E eu dizia que estava indo para a minha posse. Aí minha assessora branca falou: “A posse é dela, minha filha, é dela!”. Isso está filmado no documentário Sementes. Agora, todos sabem que sou deputada porque houve muitos escândalos e eu ando com dois agentes da Polícia Legislativa fazendo a minha segurança.
Como é viver com escolta? É um inferno. Eu preciso viver escoltada em todos os lugares por onde ando. Se vou à padaria, vou escoltada. Eu viajo de avião com um policial armado do meu lado. Quando chego em casa, eles vão embora, mas ficam 24 horas disponíveis. Eles me acompanham na agenda, na vida pessoal, em tudo.
Teve uma época em que você saiu de cena por causa disso. Como foi? Eu estou um pouco fora de cena. A gente estava falando aqui de mandato, território, mas estou há um ano morando em Brasília, com minha família. Hoje, são sete denúncias de uma possível encomenda da milícia para me executar, que estão sendo investigadas, denúncias bem contundentes e fundamentadas. Fui orientada por policiais a sair do Rio de Janeiro. A polícia legislativa faz minha proteção, mas restringe muito minha agenda. É um horror. Eu ia de ônibus ou de bicicleta para a Câmara dos Vereadores em Niterói. Agora, eu não posso andar fora de um carro blindado. Isso é muito violento. Há um ano estou sem fazer reunião com meu pessoal. Em um ano, eu fui três vezes ao Rio. É um negócio escandaloso, estão inviabilizando meu mandato. Todos os dias dá vontade de fazer outra coisa da vida, sabe? Mas a gente se recompõe e entende que é um dia de cada vez. Não dá para abandonar a luta. Tem um outro elemento que é especial do Rio de Janeiro, que se soma a isso no meu caso: a milícia está cada vez mais ideologizada e tem um braço armado, econômico e político, por meio de policiais da ativa e da reserva. É muito difícil seguir, mas temos que fazer isso, como revolucionários que somos.
Há dois anos envolveram você em uma polêmica sobre o Lênin, e teve gente dizendo que você estava estreitando a esquerda, teve até quem dissesse que era burrice. Como foi isso e qual é sua posição? Simplesmente, uma postagem de aniversário do Lênin, falando de socialismo e Revolução Russa. Veja, agora os socialistas não podem mais falar de socialismo? Que história é essa? Isso gerou crítica da extrema direita, e eu já esperava os ataques, mas por outro lado, os campos que se identificam com a esquerda diziam que não dá para falar de Lênin. E eu acho que a gente tem que falar de Lênin, tem que falar de socialismo, falar dos processos revolucionários que nos constituíram. Isso significa fechar um diálogo? Não! Eu sou uma parlamentar socialista e popular. Quando vou dialogar no conjunto de favelas e periferias, vou falar de Lênin para falar de socialismo? Não. Socialismo é um modo de vida, é comida para todo mundo, moradia para todo mundo, terra para todo mundo, pão para todo mundo. É povo negro vivo. Essa é a forma de dialogar com o socialismo concreto. Houve uma história que nos trouxe até aqui, e não dá para ignorar os processos revolucionários que abriram caminho para melhores formas de viver. No pós-Revolução Russa houve avanço na vida das mulheres e o povo do campo passou a ter terra e ter comida. Isso é o socialismo. Falar de Lênin não é estreitar o socialismo, acho que a esquerda que ignora quem foi Lênin não deveria se entender enquanto esquerda. Que socialismo queremos? É um socialismo com liberdade e com radicalidade democrática. Não uma democracia burguesa, que não serve para todo mundo. As experiências capitalistas não deram certo. Aqui, e em lugar algum. Para existir a Suécia, precisa existir o sul global para sustentar os ricos.
Por fim, como é o desafio de conciliar a maternidade com o mandato e a militância? Não sei responder, mas está difícil. A cada dia que acaba, eu me pergunto como sobrevivi àquele dia. Com a pandemia, longe do estado, sem parte de minha família, estou sem rede de apoio. Estamos eu e meu marido, meu companheiro. Não tem avó, e a Moana, minha filha, está na escola. Encontramos uma muito legal em Brasília que, graças às deusas, pudemos matriculá-la. Mas é muito duro, ela acorda de hora em hora à noite, depois de um dia que começa às 8h e termina às 23h. Sempre acho que estou devendo e estou deixando coisa pelo caminho. E estou mesmo. Mas se a gente achar que é porque é mãe, a gente não pode ocupar esses espaços, nunca vai ter, como eu disse, corpos como o meu nesse espaço. Quando eu levei a Moana pela primeira vez ao plenário foi um escândalo. Muita gente elogiando, que lindo, que histórico, eu falando com ela na tribuna no colo, mas muita gente, inclusive da esquerda, achou um absurdo. E o pessoal não tem ideia do que é minha vida. Eu passo dezesseis horas no plenário. Não vou ficar com a minha filha, que mama? É um não entendimento da possibilidade da necessidade de conciliar a maternidade e a política. Aqueles deputados todos não têm filhos pequenos? Muitos têm. Só que tem as criadas, ou as esposas, as mulheres por trás para fazer a vida funcionar. Não há roda que gire sem o trabalho da mulher.