Trump enviou ao Congresso sua proposta orçamentária para 2026. Fiel ao seu estilo, ele costuma chamar o texto de “um enorme e lindo projeto de lei”. Na prática, porém, ele prejudica a maioria da classe trabalhadora estadunidense e ainda sinaliza ao mundo pretensões autoritárias. Em resumo, o projeto amplia recursos para o Pentágono e para o Departamento de Segurança Interna, acentua a injustiça tributária e corta o financiamento de áreas sociais.
A previsão de despesas discricionárias dos Estados Unidos é de 1.69 trilhão de dólares. Dentro desse montante, assustadores 1.01 trilhão será para gastos militares, um número recorde que equivale a 60% do total. Para efeitos de comparação, no orçamento de 2025, as despesas militares consumiram 49%.
Abaixo, destacamos 5 eixos da peça orçamentária de 2026:
1) Orçamento militar inédito, conforme introduzido acima. Dentro dele, no âmbito do Departamento de Segurança Interna, mais de 140 bilhões de dólares serão destinados para o controle de fronteiras e repressão à imigração, 50 bilhões para a construção do famigerado muro na fronteira mexicana, 45 bilhões para construção e manutenção de centros de detenção, e 14 bilhões para deportações.
2) Ampliação da injustiça tributária, por meio da renovação da Tax Cuts and Jobs Act (Lei de Redução de Impostos e Criação de Empregos) de 2017, que beneficia grandes corporações e prevê isenções fiscais para todas as faixas de renda, favorecendo, entretanto, mais os ricos do que os pobres relativamente.
3) Cortes em saúde, educação e assistência social, no que se inclui uma espécie de “pente-fino” no programa de saúde Medicaid, podendo excluir quase 8 milhões de beneficiários do programa que hoje atende 70 milhões de estadunidenses (19% da população). O Departamento de Saúde e Serviços Humanos sofrerá corte de 33 bilhões de dólares. Na educação, o corte será de 12 bilhões. Além disso, estão previstos um aumento na tributação das universidades e o fim do programa para o perdão de dívidas estudantis. O Departamento de Habitação e Desenvolvimento Urbano terá corte de 34 bilhões, e estão previstos cortes no Programa de Assistência Nutricional Suplementar.
4) Cortes em programas de assistência internacional, no âmbito do Departamento de Estado. Incluem-se aqui repasses para a OMS, ONU, USAID, programas de controle epidemiológico internacional e fomento de intercâmbio. Em contrapartida, os recursos para assistência militar serão mantidos, incluindo 3.3 bilhões de dólares para o aparato genocida de Israel.
5) Cortes em energia verde e estímulo à devastação ambiental, por meio da autorização de novos campos de exploração de petróleo e gás, da diminuição do financiamento para desenvolvimento de energia verde e do estímulo tributário para o consumo de carros movidos a gasolina.
O que isso tudo significa?
Pelo menos três conclusões podem ser extraídas da peça orçamentária trumpista.
A primeira delas é sobre o indisfarçável caráter de classe do governo, que promove uma guerra contra os pobres em benefício dos muito ricos. O orçamento representa a base material dessa orientação, que persiste apesar do habitual cinismo de Trump. Mesmo medidas que são apresentadas como “populares” — como a isenção de impostos sobre gorjetas e horas extras, ou a poupança para recém-nascidos — acabam, na verdade, reforçando o individualismo neoliberal e legitimando o retraimento do Estado. Esse modelo, estruturalmente, precariza as condições de vida da classe trabalhadora.
Como justificativa para os cortes, o documento apresentado ao Congresso — segundo reportagem da Jacobin — cita 12 vezes a palavra “woke” e 32 vezes o termo DEI (Diversidade, Equidade e Inclusão), prefigurando uma estratégia retórica que não tem base material, tanto porque os cortes nesses programas também afetam os trabalhadores, quanto porque, apesar do alarde, eles representam só uma ínfima parcela do total dos cortes. A contaminação ideológica reacionária no projeto de lei manifesta-se ainda em outras ações danosas, como um pesado estímulo tributário ao financiamento do home schooling (educação domiciliar) e das escolas privadas, por meio de vouchers.
Outra conclusão — bastante óbvia — é de que não há no governo Trump um real plano de desenvolvimento que possa beneficiar a base da pirâmide social. Isso enfraquece qualquer tentativa de justificar ou de relativizar a imposição das tarifas sob o ponto de vista da classe trabalhadora, pois não existe estratégia econômica dissociada de uma orientação política e ideológica. Considerando o conjunto, não há perspectiva de benefício para os trabalhadores mediante um governo que segue a agenda dos bilionários, promove a destruição de direitos e da natureza, e alimenta o preconceito e a discriminação.
Por fim, o orçamento de Trump é um recado para o mundo. Esse recado se manifesta não apenas no isolamento dos Estados Unidos frente às instituições burguesas mundiais moldadas no século XX por eles mesmos, mas também no aumento do financiamento militar, na repressão direta e indireta à imigração e no apoio continuado a Israel.
Como recentemente observou Michael Roberts, até mesmo economistas do mainstream já começam a discutir a tendência de os Estados Unidos passarem a assegurar suas vantagens econômicas diretamente pelo uso da intimidação e da força, e não mais pelo “livre mercado” e seus mecanismos sorrateiros. É claro que a força bruta sempre constituiu o imperialismo, mas a gravidade pode ser ainda maior daqui em diante.
Conter a sanha trumpista exigirá mobilização em larga escala — local e globalmente.
Fontes:
https://jacobin.com/2025/05/trump-2026-budget-cuts-military
https://www.washingtonpost.com/business/2025/05/13/republican-trump-tax-immigration-plan/
https://thenextrecession.wordpress.com/2025/05/13/geonomics-nationalism-and-trade/