Por Alexandre Zago Boava
Trabalhador da tecnologia na área de dados, bacharel em Engenharia Eletrônica. Conse lheiro Nacional de Proteção de Dados Pessoais. Militante do PSOL e do MTST com atuação no Núcleo de Tecnologia. Formado na Escola de Governança da Internet no Brasil.
A forma como as sociedades atuais se organizam, sobretudo as urbanas, ou seja, como as pessoas interagem socialmente, é produto das mediações de uma série de serviços digitais que as “empresas-plataformas” oferecem e que estão presentes no cotidiano. Redes sociais (Instagram, TikTok), aplicativos de mensageria (WhatsApp, Telegram), sistemas de pagamento (PayPal, Mercado Pago), entre muitos outros, condicionam a forma de viver a interfaces controladas por corporações. Por trás dessa “conveniência”, está um pacto desigual: ao clicar em “concordo” nas políticas de privacidade e termos de uso — documentos ilegíveis, repletos de jargões jurídicos —, os cidadãos e cidadãs não apenas se tornam “usuários”, mas produtores involuntários de dados comportamentais. Esse falso intercâmbio, em que se recebe um serviço aparentemente gratuito em troca de informações íntimas (hábitos de consumo, localização, relações sociais), sustenta o modelo de negócio das grandes corporações.
As Big Techs vendem a ideologia neoliberal de que essas dinâmicas são inevitáveis, como o choque de duas placas tectônicas, o que não é verdade. Essa narrativa fatalista busca naturalizar a crescente dependência dos povos e Estados em relação às infraestruturas digitais privadas, e minimizar a possibilidade de alternativas públicas e comunitárias. A tecnologia não é um fenômeno incontrolável ou pré-determinado, é fruto de trabalho apropriado pela classe dominante; sua construção reflete interesses políticos e econômicos específicos. O modelo atual, em que os dados são “extraídos” das populações e concentrados nas mãos de poucos conglomerados, não é um destino inevitável, mas uma escolha que pode — e deve — ser contestada e transformada.
Na mediação entre usuário e plataformas se produz uma ilusão de escolha que esconde uma assimetria de poder. Enquanto plataformas como Instagram e Google Maps transformam interações em “commodities”, para alimentar algoritmos de publicidade e IA generativa, por exemplo, a população sequer sabe como seus dados são processados ou distribuídos. A arquitetura das plataformas segue uma lógica colonial: países que não estão no centro do capitalismo, como o Brasil, tornam-se zonas de expropriação de dados brutos, enquanto o beneficiamento dos dados (algoritmos, patentes) ocorre em centros como o Vale do Silício, na Califórnia. A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), embora crucial, é instrumentalizada por empresas para legitimar práticas abusivas, como ocorre com a Serasa, que utiliza dados sem consentimento de seus titulares, sob a justificativa de que os serviços prestados são de interesse da sociedade.
Da digitalização à perda de autonomia
A presença dos dispositivos digitais e aplicativos no dia a dia da população é o ferramental necessário para a digitalização, ou datificação, das atividades humanas – do like no Instagram às horas de trabalho registradas por um entregador no iFood, passando pela quantidade de passos que o Apple Watch registra com o Strava, pelo padrão de compras no aplicativo da Shoppe, chegando até ao CPF dos clientes expostos em farmácias como Drogasil-Raia e Pacheco-São Paulo. O tempo todo e cada vez mais, informações pessoais estão sendo apropriadas pelas empresas, que “empilham” de forma crescente e coletiva essas informações. A digitalização (a presença de ferramentas capazes de registrar digitalmente um evento qualquer) materializa essa “expropriação” de dados. “Dados” é o nome que se convencionou dar a informações preservadas digitalmente no tempo, que possibilitam que o trabalho humano seja aplicado a elas, agregando mais valor às mercadorias.
A importância dos dados nos modelos de negócio das empresas é incontornável, sobretudo com o avanço do aprendizado de máquina utilizado nos produtos de “inteligência artificial”, como o ChatGPT, ferramentas de recomendação (Netflix, Spotify) e assistentes virtuais (Alexa, Siri). Em todos esses produtos, a dependência de uma grande quantidade de dados é uma regra, não exceção: volumes crescentes de dados são atualizados em tempo real, dependendo de uma interação contínua dos usuários e de toda a informação produzida disponível na internet indexável.
A formação de grandes massas de dados não é um evento simples; sua existência e seu movimento envolvem dimensões complexas e uma variedade de elementos. Por trás do check-in no Google Maps e da recomendação de um produto pelos serviços de publicidade da Google, há uma infraestrutura robusta e um fluxo informa-cional constituído por uma série de processos. Há datacenters que contaram com grandes quantidades de matéria-prima, operando com altas demandas de energia elétrica e consumo significativo de água para resfriamento dos servidores. Há algoritmos computacionais patenteados (de propriedade privada), que servem como ferramentas de toda a cadeia de produção, transporte, acumulação e processamento dos dados. E há o trabalho humano objetivado em cada um dos processos dessa cadeia.
A produção e captação massiva de dados por parte das empresas que adotam esse modelo de negócio consolidou verdadeiros “latifúndios de dados”, pelo qual essas corporações monopolizam o armazenamento e o processamento de informações, criando vastos depósitos de dados que são utilizados em produtos e serviços conforme as tendências de mercado. Esses dados são valorados com base no valor de mercado dos serviços digitais,
tendo sua relevância definida pela especulação em torno de seu potencial econômico. Esse processo atravessa fronteiras nacionais e impacta diretamente a soberania dos países sobre seus dados, aprofundando a assimetria informacional entre grandes corporações, Estados e suas populações. Esses dados tornam-se ativos estratégicos que alimentam modelos de aprendizado de máquina e produtos que são consumidos por populações que carecem de compreensão dos riscos associados a eles. Ao contrário da narrativa de inovação e desenvolvimento que essas corporações promovem, o controle centralizado dessas bases de dados não apenas limita a autonomia das nações sobre sua própria infraestrutura informacional, mas também amplia desigualdades econômicas e tecnológicas. A falta de transparência na produção, no armazenamento e no uso desses dados reforça um modelo de exploração em que o valor gerado a partir da produção informacional das populações é apropriado exclusivamente por essas gigantes tecnológicas, sem qualquer limite regulatório ou contrapartida social.
O capital financeiro desempenha um papel central na aceleração da economia dos dados. Os gigantes tecnológicos não lucram apenas com a expropriação e monetização das informações, mas também com a especulação financeira em torno do valor que essa acumulação de dados conferirá às empresas no futuro. Empresas que controlam grandes volumes de dados os utilizam não apenas para aprimorar seus produtos digitais e algoritmos computacionais, mas para transformá-los em ativos financeiros, atraindo investimentos bilionários e inflando suas avaliações de mercado.
A falta de regulação econômica específica para empresas que oferecem serviços em forma de plataformas permitiu que essas Big Techs entrassem e se consolidassem em mercados ao redor do mundo, sem dar espaço para alternativas coletivas que mitiguem os riscos que seus monopólios geram. Esse movimento ocorre sem um debate amplo sobre políticas públicas que possam atenuar os impactos negativos do monopólio econômico e informacional, além de garantir mecanismos eficazes de proteção para a sociedade.
O impacto dessa concentração de poder já se reflete na política, na economia e nas relações sociais. A influência dessas corporações ultrapassa fronteiras e desafia a soberania de Estados nacionais. Com Trump de volta à Casa Branca, fica ainda mais evidente que as Big Techs, suas apoiadoras, não estão preocupadas em preservar democracias ou proteger os interesses nacionais dos países onde operam; pelo contrário, seus modelos de negócios priorizam a maximização do lucro e a manutenção de seu domínio global, frequentemente ignorando regulamentações locais, explorando brechas jurídicas e minando a autonomia digital das nações, escoradas agora no governo fascista dos EUA.
No Brasil
O Brasil se encontra em um momento crítico e um tanto paradoxal no enfrentamento aos monopólios das Big Techs, para a regulação do setor tecnológico e das plataformas. O PL das Fake News (PL 2630), que buscava combater desinformação e responsabilizar plataformas, sofreu uma derrota histórica na Câmara em 2024, após intenso lobby de setores conservadores da política nacional e das próprias Big Techs, sob o argumento de que regular seria interferir na “liberdade de expressão”. O PL 2338 (PL de IA), que regula a inteligência artificial, foi aprovado no Senado com alterações significativas. O texto original do PL de IA, que incluía proteções trabalhistas e critérios de transparência para algoritmos, foi desidratado sob pressão da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e de grupos empresariais, priorizando o mantra da “inovação” em detrimento de direitos fundamentais. Paralelamente, o Plano Brasileiro de Inteligência Artificial (PBIA) 2024-2028, lançado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, com investimento previsto de 23 bilhões de reais, representa a primeira política de Estado no tema, mas carece ainda de mecanismos para democratizar o acesso à tecnologia e evitar a concentração em grandes corporações.
A economia de dados brasileira permanece refém de oligopólios globais. Serviços essenciais como mensageria (WhatsApp, 93,4% de penetração), redes sociais (Instagram, 91,2%) e armazenamento em nuvem (AWS, Google Cloud) são dominados por empresas estrangeiras, sem alternativas públicas ou comunitárias. A exceção é o PIX, sistema de pagamento do Banco Central, que demonstra a viabilidade de soluções nacionais. No entanto, em áreas críticas como autenticação digital, e-mail e processamento de dados, o país ainda depende de infraestruturas controladas por Amazon, Microsoft e Google –que operam em vácuos regulatórios. A falta de data centers públicos e redes autônomas demonstra o “extrativismo de dados”, pelo qual dados brasileiros alimentam algoritmos patenteados no exterior, sem beneficiar a população local. Ao contrário, é nosso povo que mais sofre com os efeitos da utilização dos dados por essas corporações.
A produção de dados não se limita a dispositivos como os celulares e relógios de pulso. Ela se estende a carros conectados, sistemas de portaria automatizados, câmeras policiais e até mesmo a dispositivos aparentemente inofensivos, como geladeiras e lâmpadas conectadas à internet. Cadanovo ponto de coleta amplia o alcance das corporações sobre a vida cotidiana e reforça sua necessidade de expandir a produção de dados para manter seus produtos competitivos. No Brasil, essa lógica se manifesta de forma preocupante na dependência de infraestruturas tecnológicas controladas por empresas estrangeiras. Serviços essenciais, como o Sisu, o SouGov, o Serpro e a Dataprev, operam em nuvens da AWS, Google Cloud, Microsoft e Oracle. Em vez de desenvolver alternativas nacionais baseadas no conhecimento científico e tecnológico acumulado ao longo das últimas décadas, o poder público opta por delegar sua infraestrutura digital a essas gigantes, ampliando a vulnerabilidade do país e enfraquecendo a soberania sobre os dados de sua própria população.
A dependência do país frente às Big Techs, para armazenamento e processamento de dados de importância nacional e popular, reforça a subordinação do Brasil às dinâmicas do capitalismo, limitando a autonomia do país na formulação de políticas tecnológicas e na proteção de informações estratégicas. Romper com essa lógica exige investimentos em pesquisa, fomento à criação de soluções locais e uma mudança no paradigma de governança digital, priorizando a proteção dos dados como direito fundamental e não como uma retórica a ser explorada por conglomerados estrangeiros. Além disso, é essencial tornar economicamente viável o armazenamento de dados em solo brasileiro, com regras adequadas à realidade do país, garantindo que a infraestrutura necessária para essa soberania seja acessível e sustentável no longo prazo.
Dados de interesse público popular
Atualmente, grandes corporações coletam e armazenam dados, sem qualquer compromisso com a transparência ou com a devolução desse conhecimento ao setor público e à população. Aplicativos de transporte, delivery, monitoramento urbano e até mesmo redes sociais dependem de infraestruturas financiadas pelo Estado e pelos cidadãos, como as ruas, a iluminação pública, as redes de telecomunicações e os dispositivos móveis, para operar e gerar valor. No entanto, os dados extraídos nesses contextos são tratados como propriedade exclusiva das empresas, que os utilizam para otimizar seus modelos de negócio e fortalecer seu poder econômico, sem qualquer retorno direto para a coletividade.
A falta de regulamentação que obrigue a partilha desses dados com o setor público impede que a administração, em suas várias esferas, possa utilizá-los para aprimorar políticas públicas, melhorar o planejamento urbano e criar soluções adequadas para problemas sociais. Informações sobre deslocamento urbano e demandas por serviços essenciais poderiam ser empregadas para reduzir desigualdades regionais, planejar melhor o transporte público e fortalecer a segurança em áreas vulneráveis. No entanto, quando o controle sobre esses dados fica restrito a grandes empresas privadas, o poder de decisão sobre o futuro das cidades e das políticas públicas passa a ser determinado por interesses corporativos, e não pelo interesse popular.
Portanto, é fundamental que se estabeleçam marcos regulatórios que garantam que dados gerados em espaços públicos sejam tratados como bens públicos e utilizados para o interesse da sociedade. Isso não significa a quebra de privacidade individual, mas sim a criação de mecanismos para que informações agregadas, anonimizadas e relevantes para o planejamento público sejam compartilhadas e utilizadas de forma a respeitar os direitos das pessoas. Ao invés de permitir que o conhecimento produzido coletivamente seja apropriado por monopólios digitais, políticas de governança de dados devem assegurar que esse ativo seja revertido para o fortalecimento da infraestrutura nacional, a melhoria dos serviços públicos e a garantia da soberania de dados do país.
Educação em dados e tecnologias digitais
A ausência de uma educação crítica sobre dados e cuidados digitais deixa a população brasileira à mercê de um sistema que transforma informações pessoais em moeda de troca. Enquanto as Big Techs coletam horas diárias de interações de cada usuário — desde mensagens no WhatsApp até históricos de buscas —, poucos municípios implementam políticas que ensinem os cidadãos a compreender o valor de seus dados na economia atual ou os riscos de sua exposição. Em todos os territórios, sobretudo nas periferias urbanas, onde o acesso à informação qualificada é escasso, cresce uma geração de “colonizados digitais”: indivíduos que alimentam algoritmos com suas rotinas, mas desconhecem como esses dados são usados para treinar sistemas de IA ou moldar campanhas publicitárias. Um exemplo comum é o uso de informações de localização de aplicativos de entrega, que viram ferramentas para otimizar lucros de plataformas, sem qualquer retorno ou transparência para os trabalhadores que produzem esses dados.
A falta de entendimento, letramento e conscientização limita a capacidade dos cidadãos de prevenir, identificar e reagir às violações do direito fundamental à proteção de dados e de identificar dinâmicas inadequadas no ambiente digital, deixando-os vulneráveis às estratégias e às práticas danosas que as empresas adotam a partir de seus modelos de negócios. Isso perpetua um ambiente permissivo para abusos, dificultando o exercício dos direitos previstos na Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), a participação ativa na fiscalização do uso de dados e, por fim, impossibilitando o exercício da cidadania.
Portanto, sem campanhas educativas eficazes e acessíveis, inclusive acerca do letramento algorítmico, o tema permanece distante para grande parte da população, dificultando a construção de uma cultura que valorize a privacidade e promova o uso responsável dos dados pessoais no país. Percebe-se, em vista disso, a urgência em encetar uma agenda nacional em que se destaque um debate democrático e inclusivo que atraia e sensibilize todos os extratos da população. Imaginemos escolas ensinando a questionar quem controla os algoritmos que definem desde recomendações de vídeos até critérios de crédito bancário. A soberania digital exige mais que infraestrutura: demanda uma população capaz de decifrar as regras do jogo — e reescrevê-las.
Nas periferias urbanas
Nas periferias urbanas do Brasil, a expropriação informacional acontece de forma silenciosa, mas profundamente impactante, alimentando um ciclo de desigualdade que vai muito além do uso convencional de redes sociais e aplicativos de mobilidade. A coleta constante e maciça de dados possibilita práticas ainda mais predatórias, como as apostas online, populares nas periferias urbanas. Aplicativos como as “bets” e o “jogo do tigrinho” transformam a desigualdade econômica em instrumento de lucro para grandes empresas, capturando dados comportamentais dos apostadores para maximizar o engajamento e incentivar a dependência (vício) em apostas. Enquanto os algoritmos refinam as estratégias para prender usuários em ciclos viciantes de perdas e ganhos ilusórios, as plataformas lucram com um sistema que extrai não apenas dinheiro, mas também informações valiosas sobre hábitos, vulnerabilidades financeiras e padrões sociais.
Outro aspecto crítico é a compra de dados por empresas. Foi o caso da Tools for Humanity que, com seu projeto “World”, passou a comprar os dados de íris das pessoas, pagos com sua própria criptomoeda, Worldcoin. Esse tipo de prática transforma a privacidade dos indivíduos em uma mercadoria negociável. Dados biométricos, históricos de navegação, localização e até interações sociais são coletados sem transparência, repassados a terceiros e usados para reforçar um sistema de vigilância digital que beneficia grandes corporações e governos. Essa apropriação acontece sem qualquer retorno para as comunidades que produzem essa informação. Ao contrário, cresce com ela o risco à integridade física e mental das populações periféricas, ameaçadas por aparatos policiais e repressivos, que perpetuam um modelo de expropriação das periferias.
O que poderia ser um recurso coletivo, capaz de fortalecer a organização popular e o desenvolvimento de políticas públicas para a maior parte do povo brasilieiro, torna-se mais uma ferramenta de exploração e controle. Enquanto os dados são utilizados para personalizar anúncios, prever comportamentos e até definir taxas de crédito e seguros, moradores das periferias não têm acesso às mesmas informações e tecnologias para reivindicar direitos ou melhorar sua realidade material. A contradição central desse modelo está no fato de que, embora a população seja a principal produtora dessa “nova riqueza digital”, ela permanece excluída dos possíveis benefícios gerados por suas próprias informações.
Diante desse cenário, a luta pela soberania popular sobre os dados gerados não é apenas uma questão técnica, mas uma necessidade urgente de justiça social. É preciso questionar quem realmente se beneficia dessa economia de dados e construir alternativas que garantam que os dados voltem para as mãos de quem os gera, em vez de serem usados para reforçar desigualdades estruturais.
Temos um caminho a seguir
Para que as comunidades periféricas tenham condições materiais de lutar contra a exploração das grandes empresas de tecnologia, é necessário que as alternativas digitais que surjam possuam enraizamento nos territórios, custo acessível e governança própria. O monopólio das Big Techs só será efetivo se novas soluções tecnológicas forem construídas de forma inclusiva, permitindo que os próprios cidadãos, ou seja, a classe trabalhadora, tenham autonomia acerca de seu desenho, desenvolvimento e informações. A criação de alternativas mais adequadas exige, portanto, a descentralização do poder tecnológico, fortalecendo a autonomia das comunidades baseada nos territórios e interesses próprios.
Além disso, a classe trabalhadora organizada, tem o potencial de se tornar a vanguarda da luta contra o monopólio dos dados. Ao reivindicar a construção de mecanismos de governança próprios sobre os dados que geram, tanto no ambiente de trabalho quanto em suas vidas pessoais, os trabalhadores podem alterar a dinâmica de apropriação e exploração das grandes corporações. Ao exigir infraestruturas públicas de interesse popular e compartilhadas para o armazenamento e processamento de dados, os trabalhadores podem também criar novas formas de controle e gestão coletiva sobre a informação que produzem, rompendo com o ciclo de exploração atual.
A resistência exige mais que regulamentação: demanda infraestruturas públicas (como data centers nacionais) e educação popular digital e de dados críticos, capazes de desvendar quem lucra com cada like, busca ou deslize de tela. Enquanto isso, seguimos reféns de um sistema onde até nosso silêncio — o que não curtimos, não compartilhamos — é mercadoria.
Nesse cenário, o PSOL oferece uma agenda fundamental de resistência, com propostas de leis e políticas que desafiam os interesses das grandes corporações. O esforço pela construção de uma frente parlamentar e a atuação do partido em diversos espaços de participação popular são elementos essenciais para viabilizar essa luta. A colaboração com movimentos sociais e organizações populares fortalece a possibilidade de implementação de uma agenda de soberania digital popular que não apenas regule, mas também proteja os direitos das populações mais vulneráveis a esse sistema.
O Setorial de Tecnologia de Soberania Digital do PSOL tem um papel crucial nesse processo, ao transformar o acúmulo tecnopolítico em ferramenta de luta e transformação real da sociedade. Ao subsidiar o partido, em 2023, com o Decálogo para a Soberania Digital Popular, o Setorial ofereceu um documento de referência dentro e fora do contexto partidário, que ajuda a orientar ações e discussões acerca do tema. O objetivo é forjar uma agenda por soberania de dados a partir do povo. Outra ação importante do Setorial foi, em 2024, a publicação do documento Diretrizes sobre Políticas de Tecnologias Digitais, distribuído no primeiro semestre antes das eleições municipais, a fim de auxiliar a criação de políticas nessas temáticas nos programas de governo dos candidatos do partido Brasil afora. A entrega ao partido de painéis de dados e análises aplicadas às necessidades da campanha foi uma realidade na eleição municipal da cidade de São Paulo, o que pode e deve ser ampliado para todo o Brasil com o apoio de militantes de todas as regiões.
São compromissos do Setorial subsidiar os parlamentares, dirigentes e a militância no partido com pareceres qualificados, em tempo hábil para ações concretas, e propor alternativas adequadas para cada momento. Mobilizar as bases, dialogar com a população, orientar os militantes e expandir a incidência para todos os cantos do Brasil são tarefas urgentes nos tempos atuais. O PSOL, como um partido socialista com enraizamento em movimentos sociais, têm papel fundamental na construção da luta pela Soberania Popular de Dados.