Paula Coradi
Presidenta nacional do PSOL, historiadora e professora.
Este ano, o PSOL completa 20 anos de sua legalização. Nesse período, nos consolidamos como uma alternativa democrática à esquerda no Brasil. Estivemos à frente das principais lutas e nos conectamos com lutadoras e lutadores sociais de todo o país. Somos o partido que nunca recuou em suas bandeiras históricas e que soube incorporar novas pautas urgentes, sintonizadas com nosso tempo. Somos o partido de Marielle Franco, que semeou mudanças na política não apenas no Brasil, mas em todo o mundo.
Ao longo dessas duas décadas, o PSOL demonstrou capacidade para acompanhar as profundas transformações globais — mudanças que alteraram a forma de funcionamento do capitalismo e nos lançaram em um período de incertezas e disputas que vão além da ordem econômica: estamos diante de uma crise civilizatória.
Vivemos um tempo marcado pela crise econômica de 2008, que colocou em xeque a própria capacidade de acumulação do capitalismo. O neoliberalismo falhou em suas promessas de melhorar a vida da população por meio do encolhimento do Estado e, ao mesmo tempo, não foi suficientemente radical para atender aos interesses do capital. O resultado é uma geração de ressentidos, que sofre diariamente com a deterioração das condições de vida impostas por esse sistema, além da adesão de parte da burguesia, sem constrangimento, em apostar em saídas autoritárias para impor uma agenda ultraliberal — inviável em democracias estáveis. São tempos de incertezas, marcados pelo avanço da ultradireita, que se espalha não só no Brasil, mas globalmente.
Essas transformações atingem profundamente o mundo do trabalho e questionam não apenas a democracia liberal, mas também os instrumentos de organização política e a própria visão de mundo da sociedade. Nesse contexto, impulsionada pela revolução tecnológica e pelas redes sociais — hoje palco também da disputa pela hegemonia da Inteligência Artificial —, a geração de ressentidos, influenciada pelo discurso da extrema-direita, elegeu como inimigos mulheres, negras e negros, a comunidade LGBT+, indígenas e imigrantes. O autoritarismo, a intolerância, o medo, a frustração, a mentira e o negacionismo são as chaves que a ultra-direita usa para mobilizar e se conectar com a frustração e o mal-estar que persistem na sociedade.
Vivemos tempos urgentes, em que as saídas não estão claras. Se queremos seguir como alternativa política para o presente e o futuro, é essencial compreender e nos conectar com as mudanças dessa nova etapa histórica. Para isso, precisamos formular as perguntas certas — e é essa a proposta do PSOL em seu processo de reformulação programática. Também reconhecemos que o partido ocupa hoje espaço relevante na sociedade porque soube se conectar com um novo ciclo aberto pela crise de 2008. Nos últimos 20 anos, abraçamos as pautas do nosso tempo: somos o partido do feminismo, da luta antirracista, indígena, ambiental e anti-LGBTfóbica e esse nosso acúmulo histórico precisa também se traduzir em nosso programa. E sabemos que é preciso ir além. Para responder às maiorias sociais, precisamos reconquistar corações e mentes, afirmando a luta por justiça social e o socialismo. É hora disputar a sociedade com nossas ideias, sem abrir mão de nossas bandeiras.
Se são tempos difíceis, também são tempos de oportunidade para nos reinventarmos e buscar saídas criativas, apresentando um caminho para a esquerda necessário para o século XXI que combata o medo e a frustração com mais direitos sociais, uma esquerda que reconheça a diversidade que definem as condições materiais, objetivas e subjetivas de cada setor da classe trabalhadora e que não deixe ninguém para trás. E mais do que isso, uma esquerda que mobilize a esperança. Sabemos que não temos como responder todos esses desafios sozinhos e por isso, mais do que nunca, seguimos com coragem e ousadia, semeando o presente e construindo o futuro, fazendo do PSOL um instrumento necessário para a esquerda brasileira.