André Ferrari
No plebiscito que decidiu pela saída do Reino Unido da União Europeia, a classe trabalhadora britânica manifestou um dos mais veementes repúdios às instituições do grande capital na Europa em décadas. Para a esquerda socialista internacional não há porque lamentar-se disso.
O voto pelo “Brexit” foi, antes de tudo, o voto daqueles mais diretamente afetados pelas políticas de austeridade aplicadas por David Cameron, que teve que renunciar imediatamente após o plebiscito.
A crise do Partido Conservador só não é maior porque uma parte importante da esquerda comprou o discurso de que a defesa da permanência na União Europeia representava a defesa de um projeto civilizatório contra a xenofobia e o racismo. Nada mais ilusório.
O sentido da formação da União Europeia sempre foi o de favorecer os interesses da classe capitalista. O poder discricionário nas mãos da famigerada “troika” (BC Europeu, Comissão Europeia e FMI) para impor o “austericídio” aos povos europeus não é um simples “defeito interno” da UE, mas sim a sua razão de existência.
O argumento cínico de setores burgueses pró-UE contra manifestações racistas e xenófobas esconde que a UE é um dos principais promotores da política imperialista no Oriente Médio, provocando as guerras e os conflitos que deram lugar a uma das mais graves crises de refugiados da história.
Foi a UE também que legalizou a discriminação dentro da própria classe trabalhadora permitindo, por exemplo, que um trabalhador imigrante na Inglaterra receba um salário menor e tenha menos direitos do que um trabalhador inglês.
A xenofobia e o racismo são chagas que surgem em um cenário de gravíssima crise, desemprego e ataques sobre direitos e condições de vida. Se a esquerda socialista não for capaz de oferecer uma alternativa que unifique a classe trabalhadora contra as instituições odiadas do capitalismo, é a extrema direita que conseguirá apontar um caminho reacionário e aparentemente radical.
Os meios de comunicação e o establishment britânico, em sua campanha pela permanência na UE, preferiram dar destaque ao discurso racista e xenófobo dos setores de direita em favor da saída da UE. Assim, poderiam maquiar sua política, também reacionária, com cores mais humanistas e solidárias.
É inaceitável que a esquerda reproduza a mesma análise preconceituosa e cheia de ódio de classe da mídia britânica e europeia contra os “ignorantes” da classe trabalhadora que não entenderam suas “boas intenções” ao defenderem a permanência na EU.
Importantes setores da esquerda socialista britânica e internacional, incluindo o Partido Socialista (CIT), e do movimento sindical combativo defenderam a saída da União Europeia com argumentos contra as políticas de austeridade e em defesa de um verdadeiro internacionalismo da classe trabalhadora.
Hoje a luta para derrubar os conservadores do poder, convocar eleições gerais e construir uma greve geral contra as políticas de austeridade ganha mais espaço, ainda que em um cenário contraditório.
O verdadeiro golpe que a direita “blairista” tenta promover contra a liderança de Jeremy Corbyn, provocando uma “guerra civil” no Partido Trabalhista, pode dar lugar a um processo de reorganização da esquerda.
A única forma de oferecer uma saída para a crise e barrar a direita racista é construir uma nova esquerda socialista que una a classe trabalhadora acima das fronteiras nacionais. O PSol deve estar a serviço disso.
André Ferrari é historiador e dirigente do PSOL