Por Israel Dutra*
O cineasta Carlos Pronzato esteve em São Paulo lançando seu filme mais recente: “Memórias do 25 de Abril – 50 anos da Revolução dos Cravos”. Com um público atento, a sessão especial ocorreu na quarta-feira, dia 14 de maio, no Espaço Petrobras de Cinema, na Rua Augusta. Contou com o apoio da Fundação Lauro Campos e Marielle Franco e da APEOESP.
Pronzato é um dos documentaristas mais profícuos da atual cena cultural. Internacionalista, nascido na Argentina, mas instalado em Salvador há alguns anos, Carlos Pronzato já fez documentários sobre os mais diversos países e processos de luta, indo desde o “panelaço argentino” até as revoltas contra o aumento das passagens em Salvador, sem falar do documentário sobre a colônia anarquista Cecília no Paraná. São dezenas de obras, sempre engajadas e com um olhar crítico e pluralista.
Na exibição do filme sobre o PREC (Processo Revolucionário em Curso), como ficou conhecido o período mais latente da Revolução Portuguesa, ou Revolução dos Cravos, Pronzato contou com a presença de veteranos militantes como Del Roio, ativistas, críticos de arte, entre vários.
O filme é uma peça dinâmica, muito bem roteirizada, que dá voz aos protagonistas do processo revolucionário, entre dirigentes dos diferentes partidos e setores de esquerda, membros do MFA, historiadoras e pesquisadores. Destacam-se figuras como Vasco Lourenço, Raquel Varela, Francisco Louçã e mesmo o filho de Mário Soares.
A abordagem tem um viés claro: a irrupção do movimento dos capitães de abril se deveu ao esgotamento da guerra colonial na África, rebelada pelos movimentos de libertação nacional, liquidando as décadas de brutalidade da ditadura salazarista. O recorte, contudo, não se restringe à ação dos militares, abarcando a verdadeira “caixa de pandora” do movimento popular que se abre com o fim da ditadura. Serão meses de intensa auto-organização, com passeatas, fábricas ocupadas, criação de conselhos populares, toma de terras e intensa vida cultural e política. As demandas populares colocam temas transversais como a socialização das grandes empresas e dos bancos, o desmantelamento da polícia política e do aparato repressivo, a reforma agrária radical, a redução da jornada de trabalho e a expropriação dos colaboradores com o antigo regime.
Vale notar, na segunda parte do documentário, uma muito bem fundamentada crítica aos setores que atuaram para desmontar ou “travar” o processo, a verdadeira “primavera” dos cravos que poderia abrir caminho para um socialismo democrático no coração da Europa, na iminência da queda da outra ditadura ibérica, a de Franco no Estado Espanhol. Com o advento de setores mais radicalizados da esquerda, seja dentro do MFA como Otelo Saraiva de Carvalho, sejam de correntes maoístas e trotskystas, as posições mais moderadas tomam medidas para evitar um salto no processo. Especialmente o PS de Mário Soares, em conluio com o SPD alemão e a embaixada dos Estados Unidos, na figura de Carlucci (homem da CIA no país), jogam para dividir o MFA e isolar os setores mais combativos. Assim, se abre o caminho para os eventos de novembro de 1975, quando a ala moderada dos militares associada a Mário Soares decreta o fim do PREC.
Vale assistir e divulgar o documentário de Carlos Pronzato. É uma obra relevante e bastante formativa sobre uma das maiores e últimas revoluções do século XX.
*Israel Dutra é secretário nacional de Movimentos Sociais do PSOL e membro do Conselho Curador da FLCMF.